Joga no bicho!

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Homem de família, dedicado, trabalhador, de casa para o trabalho, amava os filhos, pai presente, amava até o Farofa, labrador de meia-idade possivelmente meio vira lata.
Isadora, ou melhor Dorinha, aquilo era paixão eterna, amor pra vida inteira.
– Eh Sampaio! Isso é hora de chegar?
– Me atrasei meu amor, mas por uma boa causa.
Em seguida Dorinha era abraçada por trás, a visão preenchida com um buquê de flores.
– Deixa tudo e vamos jantar fora!
– Qual o motivo disso? Você tá me aprontando.
– É tudo amor. Meninos! Gabriel? Ana Clara? Vamos dar uma folga para mamãe, vamos comer fora.
A mulecada vinha correndo aos braços do pai, sentia-se amado.

Depois da comilança, colocava as crianças pra dormir , por fim ia cuidar da patroa, uma última taça de vinho, carícias no cobertor, beijinhos no ouvido, Sampaio era um bom partido, mas naquela noite um sonho mudaria sua vida.

Cachorro! Sampaio havia sonhado com um cachorro, Coxinha, o cão de sua vó que era manhoso mas, sacana na ausência da velha, mijava, comia e estragava tudo, dormia na cama com a coroa, preenchendo o vazio que o velho tinha deixado.
No sonho nada demais, apenas Coxinha ao lado da cama.

Comprou pão, preparou a mesa, serviu o café, acordou os meninos para irem a escola, a patroa merecia um beijinho de rainha. Mesa posta, Sampaio deixou as crianças no colégio e foi pro ponto com seu táxi, como sempre fazia nos últimos sete anos.

– Mestre Sampaio, como sempre, pontual.
– Para com isso Celso, você não tem essa vida porque não quer.
– Antes fosse camarada, mulher nenhuma gosta de taxista, você deu sorte, sua vida é um sonho.
– Besteira! Sabe que eu tive um sonho esquisito essa noite? Sonhei com o cachorro da minha vó, ele ficava ao meu lado na cama, mas num fazia nada, só ficava me olhando.
– Joga no bicho.
– Tá maluco? Eu nunca joguei nada, isso é coisa de bandido.
– Num fala do que não sabe, o bicho paga em espécie, sem imposto de renda. Aposta pouco, 5 reais tá bao, me dá aí que eu faço, se der em nada eu lhe pago o almoço, se sair é meio a meio, combinado?
– Que seja.

Foi pra casa, cumpriu o roteiro de sempre, filhos, cachorro e esposa. A noite sonhou com o cachorro do vizinho, um pitbull.
No ponto, mais taxistas do que de costume.
– Chegou o pé quente.
– Abraça pra passar energia.
– Cagado! Disse Celso com sorriso na testa.
– O que tá acontecendo? Perguntou Sampaio
– Mil reais, deu cachorro na cabeça, tu tava certo.
– Que loucura, cade a grana?
– Metade, combinado não sai caro.
– Tá, vou comprar um presente pra minha mulher.
– Ficou doido? Vamos multiplicar, você sonha e eu faço o jogo. Qual foi o sonho desta noite?
– Cachorro denovo, só que o do vizinho, um pitbull.

Naquele dia todo mundo apostou, e o resultado foi touro, mas todo mundo devia saber que o bull de pitbull era touro em inglês.

Sampaio chegara em casa sem o pão, não beijou ninguém, ligou a tv e ficou vendo imagens pensando na grana que teria que pagar ao bicheiro pelo empréstimo do jogo.  Dali em diante sua vida mudou, começou a beber, fumava escondido, perdeu os aniversários, brigava com o cachorro, ralhava com as crianças, não beijava a mulher. Perdeu tudo que tinha de mais precioso, a família.
Todo dia chegava com um sonho animal, já devia o dobro e não conseguia pagar.

Um dia Celso chegou contando que havia sonhado com a ex-mulher.
– Joga no bicho. Disse Sampaio
– Que bicho?
– Na cobra, seu desgraçado.

Jogo e amizade não combinam.

Cazamiga

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Eustáquio, Gervásio e Zé Carlos estavam sentados, jogando um caloroso pif paf apostando a última dose de Rita Baiana, uma pinga que o Batista trazia toda vez que voltava do Piauí.
Sem mais nem menos, Luizinho já bêbado, cai por cima da mesa desfazendo a jogada final de Gervásio.

– Porra Luizinho! Eu ia bater.
– Tudo viado! Eu sempre soube.
– Precisa gritar no ouvido da gente? -Disse Eustáquio
– O seu, puxou esse seu jeito de baitola,”Estáquio”.
– Tá falando o que? -Perguntou Zé.
– O seu filho Zé, é o líder, agora se chama Ágata.
– Como é Luizinho? -Perguntou Zé furioso.

Seu Batista, mesmo sem entender direito, não queria confusão no seu boteco, segurando Luizinho pela gola, o arremessou rua a fora.

– Rassimbora! Esculhambação é essa? Entra aqui pra causar desavença.
– Batista, tá o filho dos três lá na praça, dançando e cantando.
– Os jovens faz isso, num tem nada de errado -Concluiu Zé Carlos.
– Vestido de mulher…

A merda foi jogada no ventilador, o bar inteiro estava de pé, os três amigos olharam-se e correram em direção a praça, deixando Rita Baiana e o baralho para trás.
Na praça central, no coreto, lugar marcado pelas apresentações de poetas, músicos e até discursos políticos, havia se transformado em um palco com três estrelas, Tito, André e Ricardinho que a partir daquele momento seriam Ágata, Laurice e Thieska.
A revelação apesar de esperada, foi o evento mais comentado do ano, só perdia para a história do psicólogo corno que entrou em depressão e morreu de fome.
O show começou de repente, sem apresentação ou introdução. Um cover da Beyonce aqui, uma performance da Britney ali e por fim uma canção da Madona, porque diva é sempre diva.

Gervásio, Eustáquio e Zé Carlos olharam, não queriam acreditar no que seus olhos viam, choraram, se abraçaram, notaram o quanto era estranha aquela sensação, mas no fundo os três sempre sabiam, só fingiram não acreditarem no espetáculo. Cada um revela sua sexualidade como quiser, para os filhos daqueles três machões, metidos a conservadores. Há quem imaginou que fossem fãs. Surra não resolveria, falaram de uma cura no exterior mas idiotice tinha prazo. Optaram pelo mais sensato, voltaram pro boteco do Batista.

– Batista! Sobrou aquela dose de Rita Baiana?
– Tenho uma reserva particular, essa ocasião merece.

Serviram-se e beberam de uma vez, todo mundo calado, apenas se olhando até que começaram a rir.

– Pelo amor de Deus, quanto tempo eu fingi que era mentira -Gervásio começava a se abrir.

– Esse negócio dá dinheiro, já ouvi cada história. – Zé Carlos ia melhorando o clima deixando amolecido aqueles corações que fingiam ser durões.

-Eu até gostei das músicas! -Eustáquio ria ao falar do talento do filho.

Zé Carlos não se segurou

– Batista, onde tá teu filho?

Alguém tinha que produzir o espetáculo.