Cinismo

 

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– Pouca vergonha!
– Ninguém precisa ver isso.
– E porque você está olhando?
– Para um dia dizer aos meus filhos o que era errado no meu tempo e os outros diziam ser progresso.
– Eu não acho errado, mas na rua não é o local certo para esse tipo de coisa.
– Justamente, por isso devemos ir lá falar com eles.
– Não vamos não.
– Mas se você discorda precisa me apoiar, de que vale toda essa discussão.
– Sou contra isso em público, mas também sou contra a repressão, eu sim vivi a ditadura na pele, nunca fui a um congresso da Uns por medo de ser levado e desaparecer para sempre.
– Comunista enrustido. Pois eu nunca me calei, nem naqueles tempos,dei sorte mas jamais me escondi.
– Então vai lá e acaba logo com isso, seu moralista de mentira. Teu filho já deve ter feito coisa pior e você não fez nada.
– E tuas filhas? Que ninguém sabe onde dormem nos fins de semana.
– Não vamos mudar de assunto.
– Você começou…
– E você termine.

Não ia dar certo. Dois coroas discutindo um simples beijo na boca, mas não era qualquer beijinho não, era a Dona Higina que estava toda agarrada com um rapazote pra lá de vinte poucos anos. Na verdade o que se discute é a legitimidade do ato, sendo que os dois estavam a cortejá-la quatro semanas ininterruptas, cada um com seu repertório de boas histórias, sobre ditadura, bossa nova, a vida no morro, a vida no campo, o Rio de Janeiro em 70, as Minas Gerais do pão de queijo. Mas ninguém havia se preparado para um gole certeiro como aquele.

– Aquilo só pode ser golpe.

– Não tem outra explicação.

– Não há contraindicação porém, não é normal.

– Pois é.

Por mais de uma hora, discutiam se um deveria ou não apartar aquele amasso descarado. Na frente de todo mundo, ato impensável.

– Como amigo vou defendê-la desse patife. Você fica aqui!

Por amizade eu vou também.

Mas não foram. Olharam-se e satisfizeram-se com a derrota.

– Vamos jogar buraco.

– Só até as 17h, hoje eu tenho um encontro.

O negócio é acreditar, sempre, em você mesmo.

Ps: Não havia encontro nenhum, coisa de velho se achando pra outro.

Fazendo tudo e ao mesmo tempo nada

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Acordei cedo, de ressaca, sem bebida, dormi tarde e acordei, deu nisso. Lembrei que havia algo para concluir logo pela manhã, coisa de quem não trabalha muito mas quando pinta um freelance, precisa ser ágil, nessas épocas de vacas em dieta não podemos optar por uma vida alternativa, inclusive por que nesse mar de concreto e asfalto a única alternativa é trabalhar.
Era algo ligado à internet, mas antes conectei o celular na wi-fi de casa, visualizei as 300 mensagens de boa noite e as 100 de bom dia no Whatsapp, olhei algumas fotos no Instagram e por fim uns nudes no Snap chat.

Passei um café, requentei um pão dormido, coloquei ração para o Elvis e a Bibi que ainda estavam sonolentos, continuaram no sofá assistindo o Bom Dia Brasil.

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Liguei o notebook, abri meu email e nenhuma pista, olhei alguns spams de ofertas, precisava comprar uma cafeteira elétrica, estava fora de moda coar café. Assisti o novo clipe da Marisa Monte, li alguns artigos na Carta capital, Veja, Folha, Estadão e achei tudo parecido.
Dei uma leve espiadinha no Facebook, já eram 11h30. Me arrumei as pressas, coloquei um biscoito na mochila e saí correndo para uma reunião de almoço.

Durante o almoço.
– Você trouxe o que lhe pedi?
– Não me pediu nada.
– O relatório.
Silêncio
– Ficou fazendo o que pela manhã?
Melhor inventar uma mentira
– Nada

Não consegui.