Os anos 2000 e meu recalque

A revolução dos anos 2000 foi intensa e definitiva, começamos a migrar a passos lentos para o mundo digital. Qualquer adolescente no início dos anos 2000 teve contato com  filmes em DVD, dando fim a era das fitas VHS, filmes sendo substituídos por animações em 3D nos cinemas e a um celular, porém sofrendo com o dilema de não ter crédito para ligar. Fizemos nosso primeiro e-mail gratuito no BOL (Brasil On line) e em seguida criamos nosso perfil no orkut, que viria ser a febre da socialização virtual. Vale lembrar que o MSN, um software de troca de mensagens instantâneas lotavam as Lan-houses com intuito de bater papo, conhecer gente e atualizar o status com uma frase ou a música que estivesse ouvindo no momento.

O ano era 2004, estávamos no último ano do ensino médio, 30 jovens sem perspectiva de futuro nenhuma, mesmo declarando os cursos superiores que desejavam fazer. Em quase nossa totalidade, todos queríamos arrumar um emprego. Para os homens havia a possibilidade de servir o exército e as meninas conseguirem algo que não exigisse experiência. Mesmo com um futuro não muito animador, superficialmente todos falavam de  faculdades e de como iriam entrar na UnB: fosse pelo vestibular, fosse pelo Programa de Avaliação Seriada, o PAS. A real é que tínhamos esperança de dias melhores, de fato sobrevivemos a um ensino médio sem uniforme, sem professor, sem lanche e sem livro. Talvez em alguma escola, as condições fossem outras, mas na nossa, a situação era essa. Alguns colegas com estrutura familiar, um pouco de informação e renda fixa, faziam cursinhos para compensar o tempo perdido.

A nossa turma tinha um diferencial, queríamos estar juntos. Todo aniversário de algum colega era motivo para uma festinha tocando os hits do momento. Quintal decorado com um pouco de balões espalhados, uma mesa com o bolo e umas garrafas de refrigerantes e um som que tocava 3 em 1 (Disco, CD e fita K7). Para dar um clima de boate, as luzes eram apagadas e ficava apenas uma lâmpada pintada de tinta guache preta, que refletia sua luz em  alguns CD’s descascados na parede, trazendo uma atmosfera psicodélica mas sem álcool ou qualquer droga ilícita, quando surgia um goró, chamávamos de pinguerante devido a mistura, bebíamos em goles rápidos a fim de libertar nossos sonhos reprimidos pela dura vida que levávamos. O final do ano se aproximava, os professores aconselhavam sobre como era o dia-a-dia na universidade pública, sobre as festas do cursos e a rotina de livros e cópias. Nenhum falava sobre como fazer um currículo, como se comportar em uma entrevista de emprego ou onde procurar vaga. Os professores também sonhavam com os nossos sonhos.

Naquele mesmo ano, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) seria gratuito pela primeira vez a todos alunos que estavam concluindo o ensino médio nas escolas públicas, mesmo sem perspectiva eu fiz o exame e acredite, eu fui bem. Em janeiro do ano seguinte, o governo havia criado o Programa Universidade para todos (PROUNI) e eu com a minha nota do ENEM consegui uma bolsa 100% para fazer uma faculdade, aí sim eu entrei em um universo do qual eu nunca teria me visto. Eu acabei descobrindo que eu amava estudar, principalmente pelo fato de ser algo novo, sem uniforme, com gente diferente, com clima de vida adulta, mesmo sem ter um único centavo no bolso. 

Um dia comum em uma turma de Publicidade em 2006

Os anos seguinte continuaram com suas mudanças, posso dizer com tranquilidade que eu vi a banca de jornal morrer, os orelhões se tornaram cada vez mais obsoletos, as grandes franquias como O senhor do Anéis, Harry Potter e X-men enchiam as discussões entre os amigos devido aos seus efeitos especiais. Mas o que marcou minha vida foi o rock nacional independente. Durante minha vida toda eu escrevi letras de músicas e cantava na porta de casa para quem quisesse ouvir, durante o período escolar ainda montamos uma banda para tocar as minhas músicas, essa foi a fase mais legal da minha vida, eu me sentia um popstar, colocavamos as músicas em site chamado TRAMAVIRTUAL, que servia de divulgação para artistas do Brasil inteiro. O movimento underground usava os recursos virtuais para divulgarem suas músicas e atividades. Em minha cidade como não havia essa cena eu organizei alguns shows para nossa banda tocar. Os blogs surgiam com o intuito de externalizar emoções e opiniões através de um diário virtual, as páginas de fotos exibiam momentos registrados pelas novas máquinas digitais. Mas de tudo isso, eu sempre pensava que havia sido desleixado com meus estudos, mesmo vivendo uma juventude bacana, eu me sentia burro. Precisava ler mais, estudar mais, continuar até provar algo que fosse capaz: Passar na UnB. 

Afinando o baixo, minutos antes da apresentação.

De lá pra cá, foram 16 anos de estudo ininterruptos. Não sou nenhum gênio, não virei juiz nem diplomata, nem passei no melhor concurso público. Mas eu fiz muitas coisas das quais eu nunca tinha sonhado, conheci países, pessoas, realizei alguns prazeres pessoais, entrei em lugares que a minha vida econômica nunca permitiriam entrar, comi coisas sem gosto mas semblante de prazer porque era de conquista. No fim de tudo isso, pra dizer: – Eu passei na UnB!

Sim, passei. Mas o meu tempo também passou, meus objetivos são outros, meus sonhos são diferentes, mas esse recalque eu superei.Escrevo tudo isso para ir me livrando do passado que vive fresco na minha memória. Preciso cada vez mais estar conectado com o presente, e se quiser uma dica valiosa: Faça o mesmo! Viva como se houvesse um final mas não esqueça o que lhe trouxe aqui.

Eu acredito em você!

Último dia de aula de 2004. Provavelmente eu fui de chinelo.

Reflexões Visuais

Fiz uma pesquisa rápida entre os meus, perguntei quantas fotos haviam no celular de cada um. Pasmem! Eu fiquei na lanterna com quase 600 fotos, o primeiro atingiu a marca de 1.083 fotos. Já pensou se tivéssemos ainda que revelar para ver as fotos registradas? Antes, ostentação era um filme com 36 poses com ISO 200, ótimas para fotos noturnas, sem falar da necessidade de pilhas para os flashes. Mas o que faz com que tiremos tantas fotos virtuais? Em geral, a resposta a essa pergunta se dá pela necessidade do registro histórico do tempo, seja uma atividade, um momento familiar, muitas vezes um acontecimento marcante como: uma festa, um aniversário ou um lugar diferente. O que percebo é que pouco se fotografa sobre as trivialidades da vida, o dia comum, a rotina, os hábitos normais impostos pela vida cotidiana. É fato que todos usam o celular, não apenas pela qualidade média do aparelho, mas muito pela velocidade de estar pronto para o momento que se deseja registrar. Quando surgiram as primeiras máquinas digitais, a discussão se dava pela velocidade do registro, impossível ter a imagem congelada de um cachorro correndo, mas se nós somos capazes de pedir carona pelo celular sem sentir vergonha (inclusive, pagamos por isso) como não iríamos ter fotos mais velozes, inclusive mais bonitas. Creio que o problema agora são as fotos de fato, tratadas. Em uma experiência de montar um estúdio fotográfico(como fonte de renda e de sobrevivência mental durante a pandemia) todos os ensaios realizados rendiam críticas ao tratamento básico que era dado nas fotos. Querem fotos que distorçam a realidade e vendam uma estética quase plástica porém que não conflite com a realidade, querem mais tratamento digital que cubra as imperfeições do que os traços que delineiam a vida real. Fotógrafos, todos somos, a virtualidade nos deu esse título mas, muitas dessas imagens ficam perdidas no banco de memória do celular, também há uma necessidade de tirar repetidas fotos para que se encontre a foto ideal, digna de tornar-se pública. Com os stories das redes sociais mais populares (Instagram e Facebook) há uma certa corrida pela vaidade e atualização constante de uma vida repleta de coisas legais. Fragmentar o dia em uma única foto boa, transformar um passeio ou uma viagem em um momento inesquecível é mais importante do que apreciar o momento. A verdade é que as imagens nos permitiram exibir uma vida diferente, medida em likes, utilizando as imagens e manipulação digital para que possamos mentir melhor.

Estamos em um mundo imerso em imagens e é muito difícil resistir a elas.

OBS: Esta foi a foto que eu tirei com minha primeira camera digital, em junho de 2007. Um casaco e uma calça jeans, uma tv 14 polegadas de tubo, livros e CD’s empilhados.

MADE IN BRAZIL

Eu tenho muitas manias e acho que com a idade me tornei metódico por causa delas. Um exemplo clássico é sempre cheirar tudo. Eu cheiro a tampa da marmita, zíper de roupa, chave de boca, buraco de parede, gelatina quando mistura a água quente, celular novo, meias antes de usar… A lista é extensa, mesmo sentindo o cheiro no ambiente, eu cheiro de novo pra ter certeza. Mas umas de minhas manias é olhar de onde vem as coisas. Eu sempre olho onde é a fábrica, a cidade de onde vem o produto, o país que foi fabricado. Faço isso associado a um sentimento de descoberta. Molho de tomate eu percebo que todo lugar tem uma fábrica, às vezes vou no google maps ver onde fica a cidade e descubro que não tem quase nada de área rural e penso: Onde é que conseguem plantar tanto tomate assim? Em outras situações, me exalto de alegria ao saber que algo é fabricado ou distribuído em cidades vizinhas a minha e acredite, eu pulo de alegria ao saber que comprei algo que foi feio na minha cidade ou perto, seja roupa, sabão, veneno, pimenta, o que for. Eu compro e imagino aquele monte de gente empregada saindo da fábrica, morando pertinho do trabalho com o uniforme da empresa. Eu vejo na minha mente essas imagens, além da sensação de estar ajudando o empreendimento local a crescer. Mas reconheço, tem produto que é uma porcaria, seria melhor que a fábrica fechasse, ainda tem aqueles produtos que desaparecem e nós ficamos com um vazio, sabendo que poderíamos ter aproveitado a maravilha que tínhamos à disposição.

Agora vem a melhor parte. Eu amor ler os “Made in”, um dos meus passatempos favoritos é descobrir o país de origem das coisas, e eu fico pasmo sabendo que não tenho quase nada produzido no Brasil, principalmente coisas que utilizam plástico, led e algum orifício que se inclua na tomada. Devíamos produzir mais, pra ter orgulho e com certeza pagar menos, com a sensação de dever cumprido, o exemplo é a vacina de COVID-19 desenvolvida pelo Instituto Butantan, com um pouco mais de investimento, nós já teríamos fabricado doses para todos os brasileiros sem apoio internacional, mas isso é outro caso, politica não é uma das minhas manias, olhar a evolução de patrimônio dos políticos é um hobby, também fico horas olhando o portal da transparência, e sempre fico pasmo com o tanto de dinheiro que esse país tem e emprega mal, por fim, com a sensação de nada estar sendo feito.

Bom, o caso é que sempre leio os “mande in” Com intuito de achar algum país que não seja a China ou os EUA. Essa semana depois das compras no mercado,  que aumentou nosso custo em média 10% (Lá vem a política de novo), fui lavar os potes para colocar os mantimentos e adivinha? Nós temos um pote “Made in INDONÉSIA” e descobri que a cafeteira é “Made in GREECE”. Quanta alegria! Eu adoro ver coisas de outros países, gosto das características próprias, do design, geralmente tem algo diferente, e isso torna único aquele pequeno pedaço de outro país. 

Durante minha passagem pela África, especificamente no Kenya, enquanto participava de um acampamento internacional escoteiro, tive a oportunidade de ganhar muitos presentes de amigos de diferentes países, mas para minha surpresa,a maioria eram produtos fabricados na China. Nádia, uma angolana que desfilava com uma camiseta linda com a bandeira da Angola e um cachecol com os símbolos nacionais queria trocar por produtos brasileiros, me joguei na frente e fiz a negociação. Trato feito. Desfilava com a nova camiseta pelo evento. Chegando em casa, depois de desfazer a mochila e por tudo pra lavar, sou invadido por um sentimento de pasmaceira com euforia. Ao me preparar para desfilar pelas ruas da minha cidade com minha blusa exclusiva da Angola, ao me vestir, leio a etiqueta: 

MADE IN BRAZIL 

LEGENDA: Na foto, Leandro, Eu, Nádia e Fabrício, durante o ROVERMOOT, no KENYA, em 2010.