Festinha do COVID-19

100 dias de tédio, uma nova rotina da qual nunca imaginou que iria passar. Logo ela que sempre gostou de ficar em casa, agora não via a hora de ter um mínimo de socialização, havia prometido que iria até em reunião de Herbalife comprar o kit emagrecedor quiçá montar um espaço saúde. Durante esse tempo encerrou vários projetos que estavam espalhados pela casa: Aprendeu crochê, fez uma touca, tapete e peso de porta. Começou a costurar guardanapos e reparou várias roupas, inclusive as doou por não caberem na nova forma que adquiriu de tanto comer nos últimos cem dias. Iniciou vários cursos gratuitos, concluiu alguns e abandonou todos os demais.

Com o passar do tempo, o excesso de assepsia e higienização foi se tornando rotina, o hábito de ir ao comércio repor o que faltava mantinha a sanidade de sentir o calor do sol na pele e saber que ainda não estava acontecendo o apocalipse zumbi. O novo modo de trabalho remoto explicou que nem tudo são flores quando se trabalha em casa, mas é possível ter um pouco de prazer em não precisar pegar trânsito tampouco precisar se arrumar para sair. Através dessa última observação deixou escapar que a vaidade não estava em alta. Pelos e unhas vivendo de modo natural, alinhado ao cabelo que já possuía vida própria.

A rotina doméstica consistia em levar o lixo no horário limite de sexta pois, não havia coleta aos finais de semana. Esbarrou com um vizinho que chegava do trabalha trazendo nas mãos duas sacolas pretas, o que levantou a curiosidade de nossa personagem. O vizinho não deu boa noite e caminhou rapidamente para o seu bloco. Nossa detetive do tédio resolveu revirar o lixo suspeito, na verdade queria cupons para trocar em uma pizza sem pagar nada. Ao tocar no saco, o calor das embalagens denunciavam que alguém não estava cumprindo a quarentena de modo correto. Haviam garrafas de ice, pratos e copos descartáveis sujos, uma afronta. Se fosse em tempos anteriores, reclamaria do som alto, das risadas e da alegria alheia mas em tempos de corona, só podia reclamar de uma coisa: Aglomeração.

Seguiu o vizinho, entrou em seu bloco pela escada de emergência, no terceiro andar, notou um zumbido diferente. Risadas abafadas, televisão ligada contrapondo um forró ao fundo, tudo isso acompanhado de um aroma detectável: Camarão e cerveja. Encontrou a unidade, e pensou em um milhão de possibilidades, ligar ao síndico, a polícia, ao IBAMA, ao presidente (O último não ia acreditar), Aquilo não podia ser permitido, deviam ter ao menos 10 pessoas naquele apartamento.

Por um segundo lhe passou a ideia de que se tivesse amigos, já teria organizado sua aglomeração. Mas aquilo foi um sinal divino, era preciso socializar, conversar, falar sobre qualquer coisa, beber um pouco, comer o que estivesse na mesa e ter quase um orgasmo por se alimentar de algo que não fosse sua própria comida ou as pizzas grátis com cupons. Talvez o amor de sua vida estivesse ali dentro daquele apartamento, precisava redescobrir o sentido da vida, depois disso voltaria ao seu isolamento social, até um gato iria pegar na adoção responsável. Não teve outra, entrou de uma vez apartamento adentro.

– Fiscalização!

A família atônita olhava para a moça que abrira a porta e encarava a todos com o olhar de pedinte. O dono da casa, que havia levado o lixo a reconheceu, tomou a iniciativa.

– Cerveja? Estamos jogando baralho, mas ainda tem um pouco de camarão, você quer?

– Quero!

– Entra, fecha a porta. Ajuda ela aqui Dalva. Até a meia noite eu aposto que chegam mais dois. Senta no sofá menina, aquela ali é tua vizinha de bloco, tá aqui desde cedo. Viu a gente chegando com as compras, a salada foi ela que fez… Fica a vontade e em silêncio por favor, não queremos dar problema para o sindico, não é Carlão?

– TRUCOOOOOOO!

Gritou o síndico, para que não haja dúvidas.

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