Qual vacina tomar? Melhor tomar vergonha

Chegou o grande dia. Após um ano confinado em casa, hoje ele vai vacinar. Vale lembrar que não foi um ano fácil, a gripezinha do presidente levou alguns amigos do peito, o álcool da garrafa de pinga virou esterilizante e a convivência com a mulher se tornou inviável abrindo os ouvidos para começar a ouvir o que o cachorro dizia.

O posto amanheceu lotado, até os noiados ficaram para ver a logística da vacinação. A regra de não aglomerar funcionou apenas na presença da polícia, quando a viatura se foi, a velharada se juntou e começou a conversar, fazer teorias conspiratórias de whatsapp e lamentar o título do Brasileirão que esse ano devia ser do Palmeiras ou do Santos, O Flamengo já havia ganhado um título e o Inter por um gol não viu a glória que esperava há mais de quarenta anos. Era assunto que não acabava mais, valia falar de tudo, do Lula, da família, do aumento da carne, só não podia falar de morte, ali todo mundo tinha visto de perto o perigo da COVID 19.

A vacinação começou, os primeiros que saiam do posto exibiam o esparadrapo para o restante da fila, teve um que saiu até mancando, tamanha a proeza. O drive thrue estava lento quase parado, na fila dos pedestres começou uma movimentação incomum. Um senhor de máscara no queixo, aparentemente havia esterilizado o corpo internamente com álcool Ipióca, correu para o meio da fila fugindo de sua senhora para não ser flagrado daquela aventura. Mesmo com o Lockdown, boteco com sinuca é serviço essencial, mas nada adiantou, um senhor de cara alegre fechou o semblante imediatamente ao ver um o espertão furar a fila.

-Me salva, eu tô me escondendo da minha mulher.

-Essa é a fila da vacinação, não dá vacilação.

Comecou um buzinaço, parecia aqueles atos de classe média a favor do presidente, que ultimamente até máscara está usando. Os ânimos se exaltaram, a enfermeira gritou pela décima vez:

-Só acima de 65 anos, identidade na mão por favor!

O incomodado com o furão, voltou a sorrir, só que desta vez sem graça, lembrou que só tinha 64, mas jurou que viu no celular a mensagem dizendo a partir de 63.

-Me empresta tua identidade e fica tudo certo.

-Fechado. Tu tá bem conservado para ser idoso.

-Não fico bebendo o tempo todo.

-Assim você me ofende. Poxa! Eu tô a tanto tempo em casa, que não tem nada que eu não tenha terminado de consertar, a antena da tv já tinha três anos que não funcionava, agora em tv em todos os cômodos funcionando, só tomei uma cachacinha pra matar a saudade que eu tava do boteco. E saber se tava tudo bem, o dono é meu amigo.

-Pois é, eu peguei o hábito de ver novela, assinei globo play e ainda acompanho umas coreanas que minha neta achou com legenda no youtube. Como pode fazerem novelas tão ruins ultimamente? Selva de pedra, Tieta e Quatro por quatro são as melhores na minha opinião.

Uma espertinha chegou de carro gritando: – Meu pai é militar! tem prioridade.

A cara do coroa no carro era de quem não queria passar essa vergonha. Aí não houve como evitar aglomeração

-Eu sou professora!

-Eu sou técnico em enfermagem!

-Eu sou ambulante!

-Eu tô é desempregada!

Uma mulher que acompanhava mãe, mostrou um pouco de sensatez ao levantar a bandeira da paz e lembrar que todos ali iriam vacinar e que o momento era de espera mas de alívio ao saber que havia chegado a vez daquelas pessoas. O cerco se desfez no carro, um cidadão mais tranquilo até puxou um louvor que aliviou os ouvidos e acabou com o zum zum zum. Enquanto isso, a enfermeira voltava do fim da fila gritando:

– Só acima de 65 anos, identidade na mão por favor!

Os dois se olharam e piscaram, tato é trato.

-Só mais uma coisa.

-Diga!

-Segura meu lugar aqui enquanto eu vou ali tomar mais uma, tô muito preocupado com essa doença.

Ps: Esse é o meu pai vacinado. 

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