Cláudia, Lindalva e Maisa conviviam há anos a mesma rotina, eram jornalistas,
escreviam sobre tudo, política, comportamento, polícia, esporte e negócios. Em tempos de ouro, quando o jornal não tinha encalhe, a redação tinha quase 100 funcionários, coisa de New York Times, gente correndo pra lá e pra cá, telefone tocando e o chefe gritando com os pulmões zerados:
– Nós precisamos de um furo, Cláudia liga pro delegado Onofre, Lindalva consegue uma exclusiva na casa civil e Maisa descobre alguma mutreta sobre o último jogo.
Era assim todo dia e elas adoravam, quem saísse mau em sua incumbência ficava uma semana nos classificados, o pior setor da casa, reduzir anúncio de casa, carro e milhas de avião. Mas ruim era a quinta feira, dia de escrever o anúncio de acompanhantes, homens, mulheres, putas, travestis e gigolôs. Era preciso conferir as informações, idade, cabelo, bunda, peito, exceto o pacote de biscoito(espero que tenha entendido).
Claudia era uma pessoa calma, sussurrava ao invés falar, não casou, ficou para tia, era gostosa mas uma víbora, queimava o filme de todo mundo para o chefe, sabia o poder de suas curvas, nunca deu pra ninguém do jornal, na verdade línguas venenosas diziam que a cobra era virgem, uma tese de doutorado em mesa de bar.
Lindalva era a mais safada, topava qualquer saida, uma negra de um metro e oitenta, pele bronzeada, não levava desaforo, gritava sempre, mesmo sendo fácil, ninguém a desejava, devia ser o perfume, toque de amor da avon.
Maisa era bonita, elegante e mentirosa, descobriu cedo o valor de um boquete, era insuportável, ninguem há queria por mais de uma noite, não rodava porque tinha costas quentes, educada porem burra, burra pra caralho. Não casou porque não quis, acredita?
Quando não havia internet, a vida era maravilhosa, cada mídia no seu quadrado, rádio, Tv, revista e jornal. A Tv alienando aos domingos, a rádio entretendo as domésticas, a revista passando o tempo das madames e o jornal vendendo notícias diariamente. Um bom político sabia onde investir seu dinheiro, jornalistas adoravam mimos, jóia era prato de entrada, cada babado que eu precisava de um anexo para os bastidores, mas o caso era outro, a chegada da internet, a popularização do celular e o desuso do talão de cheque. Um medo atormentava a redação, o desemprego. Tá certo que a datilografia já tinha sido trocada pelos terminais mas esse troço de portal de notícias iria desmoronar a vida de todos. Cada uma se salvou como pode, Claudia saiu com o chefe, prometeu algo mais mas enrolou e fingiu se de bêbada, Lindalva foi para redação de minissaia, queria dar mas o chefe se esquivou e a manteve no emprego por dó. Maisa pediu para apresentar uma solução para as demissões, fechou a porta e abriu a blusa, o chefe não deu bola.
– Fecha essa blusa, o ar tá ligada, tu vai gripar.
– Você não tem desejo?
– O nome disso é desespero.
– Você é viado, só pode.
– Escuta, tu não tinha algo pra me falar.
Maisa desistiu, da investida e fechou a blusa.
– Estagiários.
– O que tem?
– São mais baratos.
– Não é questão de pagar pouco mas sim de não pagar mais.
– Manda metade dessa redação embora, a Claudia mesmo, disse que está insatisfeita, Lindalva quer mudar de área, não vê ela estressada o tempo todo?
– E você?
– Tô livre hoje.
– Eu não.
– Duvido.
– Não quer sair daqui?
– Sou indiferente.
– Sei… Estagiários é?
– É a melhor saída.
O chefe pensou mas acatou, precisava manter a produção, seria o último suspiro.
Quando começaram a chegar aqueles jovens, inocentes com espírito de Wladimir Herzog misturado a Tim Lopes, a mulherada não perdoou, atacou sem dó. Os meninos tinham que andar em grupo pelos corredores, morriam de medo de plantão, as três vinham em todos, prédio vazio, atacavam sem perdão e o que acontecia nem enciclopédia Barsa seria capaz de registrar.
Os garotos começaram a abandonar o jornal, corria na cidade os boatos que o veículo havia mudado de segmento, o da sacanagem, todo mundo sabia das taradas. O chefe não podia deixar um boato virar notícia, a concorrência iria lavar a alma, tomou uma decisão: demissão para as três.
Todas já estavam sabendo, não teria escapatória, mandou chamar uma por uma , a primeira foi Lindalva que entrou gritando:
– Vá pra puta que pariu, nunca precisei dessa porra, seu viado.
Saiu com a sensação de dever cumprido, estava desempregada mas feliz, marcou um encontro com o porteiro, era a última tentativa, se não rolasse viraria freira.
Claudia entrou chorando mas de minissaia, ainda assim não resolveu.
– Claudia, infelizmente….
– Tá, tchau.
Saiu, deixou a porta aberta, Maisa entrou silenciosa, sentou olhando para o chão, era a vez do chefe descascar o abacaxi encima dela, todos os anos de mentira.
– Olha Maisa, eu nunca desejei tanto dizer isso..
– Eu tô grávida.
O chefe não iria livrar se tão facilmente de Maisa, agora ela tinha nove meses para arrumar um bebê.
Maisa, de burra não tinha nada.
Obs: A foto, tirei na parada gay de 2011, as pessoas nada tem haver com a crônica, apenas ilustração.
Posted from WordPress for Android