Estudante do acaso

Mesmo com a vida acadêmica de férias, sempre tem estudantes perdidos por aí. Andando com as mesmas mochilas, cadernos, livros e um fone pendurado. A caminho do trabalho, uma jovem, bonita, me pergunta se o ônibus vai para a universidade. Respondo que sim e volto a ouvir minhas músicas baderneiras, que, na verdade, não passam de uma bela playlist love songs internacional dos anos 90, daquelas que anunciavam uma coletânea em cd, no intervalo da novela das oito, que sempre começava as nove.

 Entre um “Listen to your heart” de Roxette e “I miss you” de Haddaway, sou cutucado novamente pela jovem.

“Você pode pagar a passagem pra mim?”

Penso, mas não consigo refletir porque ela não pode pagar a própria passagem.

“Meu cartão está zerado. Não tenho dinheiro”

“Tudo bem.”

“Eu te faço um pix com o valor da passagem.”

“Beleza. É o meu telefone.”

Dou meu número para receber o valor devido e sou novamente interrompido.

“Você pode rotear a internet? Não estou conseguindo acessar os dados móveis.”

“Olha, deixa pra lá. Não precisa me pagar, tá bom? Tá tudo certo.”

“Vou pagar sim, assim que eu conseguir, lhe envio um WhatsApp com o comprovante.”

Perdi as duas músicas, me resta a terceira e última canção durante o trajeto curto entre a rodoviária e a universidade. Desta vez, para fechar o ápice da viagem aumento o volume para viajar nas imagens de “Heaven” de Bryan Adams, minha mãe dizia que essa era a música de dançar coladinho no baile, quem sabe eu fui confeccionado através dessas músicas, talvez isso explique o interesse.  

“Esse ônibus passa onde?”

“Como assim?”

“Eu preciso ir no ICC.”

“Qual local? É o maior prédio, tem um quilômetro e meio.”

“Eu não sei.”

“Então desce na parte sul e atravessa andando por dentro, aproveita e admira os jardins internos.”

A cobradora, acompanhando o dialogo, se intromete.

“Não tem nada de bonito na universidade.”

A conversa nem lhe dizia respeito e ninguém lhe havia solicitado sua opinião.

“Desça do ônibus a senhora também e caminhe, algum espaço lhe agradará.”

Respondi com educação, mas o cão raivoso que habita dentro de mim estava doido para dar um passa fora naquela mexeriqueira. Eu gosto de ouvir conversa, mas não opino na vida de ninguém. Bom ou ruim, é tudo uma questão de ponto de vista. Talvez por ela estar sempre do lado do sol durante a tarde, lhe incomode trabalhar nesta rota, mas talvez ela apenas não goste por uma construção de estigma que lhe foi empurrada. Certo ou não, cabe a cada um escolher e respeitar a visão do outro. 

Por fim, desço no meu ponto sem ouvir a terceira última música, nada mais pode me tirar o foco de chegar no trabalho.

“Oi? Licença?”

Olho para trás, lá está a menina, deve ser algum tipo de espiã ou uma jagunça da Francineide, uma garota que não beijei na quarta série e que me prometeu uma surra por não cumprir o combinado.

“Por que você desceu nesse ponto? Era no próximo.”

“Você deixou seu casaco no ônibus.”

Pego pelo acaso, agradeço, convido para um café na repartição, pelo jeito, a moça ainda iria me pedir mais alguma coisa, melhor seria bater o ponto e sentar um pouco.


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